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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Conto de fadas III


De Bissau, com atraso e cumprimentos, a terceira e última crónica carrolliana.

Escreve Lewis Carroll em Do outro lado do espelho:

«Criança de fronte sem nuvens, olhos cheios de sonhos e encantos, apesar do tempo veloz e de estarmos separados por meia vida, tu e eu, teu amoroso sorriso decerto acolherá a prenda de amor de um conto de fadas.»

Fala, claro, de Alice. Mas é mais que isso. Se repararem bem é uma defesa dos contos de fadas, no seu contributo para o desenvolvimento da criança, e da responsabilidade dos adultos, para, com o seu amor, as ajudarem a franquear as portas da sua identidade…

Mas o que é um conto de fadas? Uma história de encantar, em que tudo é simples, e adaptado ao universo da criança: os maus sãos maus, os bons são bons; a criança tende a perceber que a vida tem chatices, mas que é possível vencê-las, como o(a) herói(oína), que, supostamente fracos (como a criança) conseguem vencer adversários mais fortes.

Os contos de fadas têm de ser contados, com emoção… se forem lidos de forma fria, não surtirão efeito. Ao contrário do pendor moralista das fábulas, nos contos de fadas não é apontado qualquer modelo de comportamento: funciona por identificação; a história ajuda a criança a perceber que os seus conflitos interiores são naturais e podem ser resolvidos…

Aproximadamente aquilo que representavam os mitos, para os antigos gregos (em idade adulta, claro): modelos de «opções» que se ofereciam à identidade dos homens e mulheres. No entanto, com a substancial diferença de os mitos serem essencialmente pessimistas, ao contrário dos contos de fadas, sempre optimistas pelo seu final. O aspecto grandioso do mito e o carácter semi-divino dos heróis colocam-nos num patamar de identificação impossível de alcançar para o comum dos mortais, e muito menos para as crianças.

Já a ideia do conto de fadas é precisamente o contrário: personagens são apresentados como pessoas normais, regra geral sem nome, ficando assim ao alcance da criança; o final feliz, ao contrário da tragédia que encerra o mito, permite captar a atenção e contem a promessa de um futuro desenvolvimento identitário equilibrado… a coroação como adulto a pleno título, com um sentido para a sua vida, já Do outro lado do espelho.

Mas voltemos à nossa partida de xadrez. Que dizer do duplo do cavalo vermelho ao Rei e à Rainha? Se estes forem marido e mulher… Reparem ainda que é no próprio acto da «coroação» que Alice dá mate. Já sugeri que uma leitura possível é a de as vermelhas poderem representar a inércia do sistema, o status quo do etablishment; no entanto, múltiplas leituras são possíveis e quero apresentar mais uma, a de o Rei Vermelho representar a criança que é preciso «matar» para aceder à idade adulta, ao (se tudo correr bem) substituirmos o princípio do prazer pelo da realidade; quando o mundo perde magia, e… surgem as «nuvens na fronte».
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