Conforme anunciado no meu blog, decorreu na passada Sexta-Feira, dia 14 do corrente, uma conferência dedicada à Defesa do Património Cultural em Zonas de Conflito Armado. A pedido do administrador deste blog, faço-vos um pequeno resumo do que foi apresentado e discutido. Muito do material consistia em vídeos, semeio-vos alguns links pelo meio do texto. Relembro que estava previsto apresentar, num primeiro painel, as principais convenções internacionais sobre o tema; seguindo-se um painel no qual se dava conta do actual contexto geo-estratégico mundial.
1935
Pacto Roerich
Protecção de Instituições Artísticas e Científicas e Monumentos Históricos
Texto curto, assinado no âmbito da Sociedade das Nações, equivalente da ONU entre as duas Grandes Guerras. A Sociedade das Nações, criada para evitar outra Grande Guerra, mostraria a sua inoperância nos anos seguintes… O Pacto é muito generalista, prevê apenas a sinalização dos locais com distintivos próprios, de forma a tornar bem visível a sua presença. É adoptado o conceito de «neutralidade» do património, associado à inibição, pelos beligerantes, de o utilizarem para quaisquer fins militares. As peças mais valiosas do Museu do Louvre (cujo espólio, diga-se em abono da verdade, é constituído por muitas peças «pilhadas») foram transportadas para fora de Paris, para evitar danos ou pilhagem, um mês antes do início da II Guerra Mundial, ao abrigo deste Pacto.
1954
Conferência de Haia - Convenção para a protecção dos bens culturais em caso de conflito armado
No decurso da Conferência, foi evidente a preocupação com o aumento assustador da capacidade destrutiva do armamento, mas a Convenção pouco evolui relativamente a 1935, sendo simplesmente mantido o princípio da sinalização. É designada a UNESCO como entidade responsável pela protecção do património a nível mundial, estipulando que esta se aplica a todos os casos de ocupação, seja ela total ou parcial.
1970
Convenção: relativa às medidas a adoptar para proibir e impedir a importação, a exportação e a transferência ilícitas da propriedade de bens culturais
Considerando que a importação, a exportação e a transferência ilícitas da propriedade dos bens culturais dificultam a compreensão mútua das nações, os Estados partes comprometem-se a combater essas práticas com os meios de que dispõem, sobretudo suprimindo as suas causas, detendo o seu curso e ajudando a efectuar as reparações que se imponham.
1989
Acordo Vermillion
Ética arqueológica e tratamento devido aos mortos
Defende que a ganância não se deve sobrepor à contextualização: os arqueólogos sabem bem como o real valor das peças só se consegue apreender nos contextos culturais e civilizacionais originais. Estipula ainda que o respeito pelos restos mortais é devido a todos, independentemente da sua origem, raça, religião, nacionalidade, costumes e tradição.
1995
Convenção
Sobre objectos culturais roubados ou ilegalmente exportados
Estabelece o princípio de que o proprietário actual de um objecto cultural que tenha sido roubado deve restituí-lo, independentemente da sua boa fé no momento da compra.
1999
Segundo protocolo à Convenção de Haia de 1954
Para a protecção da propriedade cultural em caso de conflito armado
As regras regendo a protecção da propriedade cultural em caso de conflito armado devem reflectir os desenvolvimentos na lei e na política internacional. Ora desde este Segundo Protocolo que não há qualquer actualização destas regras, face a um mundo em mudança rápida e profunda.
Feito um pequeno resumo das convenções internacionais mais importantes relativas ao património, falámos precisamente do que mudou com a passagem do milénio. Com a queda do muro de Berlim gerou-se uma dinâmica de colapso sistémico do império soviético; os Estados Unidos ficavam assim vencedores da Guerra Fria, assumindo-se como única potência mundial.
Nesse mesmo ano, o Iraque invadiu o Kuwait; a comunidade internacional condenou a agressão numa atitude firme. Depois do sucesso da operação Tempestade no Deserto, quando alguns generais americanos sugeriram a destruição do exército iraquiano em retirada, o bom-senso prevaleceu na Administração Norte-Americana: as suas tropas pararam na fronteira do Iraque. O objectivo não era a mudança de regime no Iraque mas a reposição da Ordem Internacional. O entendimento era de que a derrota do ditador provocaria uma luta fratricida pelo poder, senão mesmo uma guerra civil e a fragmentação do Iraque, sendo portanto contrária à ordem mundial e à estabilidade da zona.
A partir desta atitude, revelando comedimento e equilíbrio, a tendência parece ter sido para os Estados Unidos assumirem um papel cada vez mais prepotente e arrogante. Já sem rival à altura, as suas decisões deixaram de ser negociadas, passando a ser cada vez mais impostas, recorrendo para isso ao seu poder financeiro, diplomático e militar. Esta situação criou uma animosidade e uma aversão crescentes, junto de identidades que se julgavam severamente humilhadas, como a muçulmana em particular.
A 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos, que nunca tinham sido atingidos no seu território, sofreram um devastador atentado terrorista conduzido por uma pequena célula, o qual superou, na escala do «orgulho» ferido americano, o de Pearl Harbor, sessenta anos antes. Este facto condicionou fortemente esta última década, com uma forte paranóia securitária a tomar conta não só dos aeroportos, mas também das relações internacionais, com a «invenção» pelos Estados Unidos de sucessivos inimigos, continuando assim a alimentar os ciclos do ódio, da vingança e do medo, sob a bandeira genérica de «Guerra ao Terror».
Mas voltando ao património: em 2003, a Tempestade no Deserto II foi, tal como a primeira, um sucesso militar. Rapidamente as forças americanas ocuparam Bagdad, a capital do Iraque; o património pouco sofreu durante essa fase. O saque do Iraque começou depois. Arqueólogos, funcionários e universitários ficaram escandalizados com a falta de resposta americana aos seus apelos para proteger os tesouros do Museu de Bagdad: foi roubado um enorme espólio, incluindo peças com mais de 6 000 anos, «nas barbas» das forças anglo-americanas; muitas das peças roubadas nunca mais serão encontradas.
http://www.baghdadmuseum.org/
Pacto Roerich
Protecção de Instituições Artísticas e Científicas e Monumentos Históricos
Texto curto, assinado no âmbito da Sociedade das Nações, equivalente da ONU entre as duas Grandes Guerras. A Sociedade das Nações, criada para evitar outra Grande Guerra, mostraria a sua inoperância nos anos seguintes… O Pacto é muito generalista, prevê apenas a sinalização dos locais com distintivos próprios, de forma a tornar bem visível a sua presença. É adoptado o conceito de «neutralidade» do património, associado à inibição, pelos beligerantes, de o utilizarem para quaisquer fins militares. As peças mais valiosas do Museu do Louvre (cujo espólio, diga-se em abono da verdade, é constituído por muitas peças «pilhadas») foram transportadas para fora de Paris, para evitar danos ou pilhagem, um mês antes do início da II Guerra Mundial, ao abrigo deste Pacto.
1954
Conferência de Haia - Convenção para a protecção dos bens culturais em caso de conflito armado
No decurso da Conferência, foi evidente a preocupação com o aumento assustador da capacidade destrutiva do armamento, mas a Convenção pouco evolui relativamente a 1935, sendo simplesmente mantido o princípio da sinalização. É designada a UNESCO como entidade responsável pela protecção do património a nível mundial, estipulando que esta se aplica a todos os casos de ocupação, seja ela total ou parcial.
1970
Convenção: relativa às medidas a adoptar para proibir e impedir a importação, a exportação e a transferência ilícitas da propriedade de bens culturais
Considerando que a importação, a exportação e a transferência ilícitas da propriedade dos bens culturais dificultam a compreensão mútua das nações, os Estados partes comprometem-se a combater essas práticas com os meios de que dispõem, sobretudo suprimindo as suas causas, detendo o seu curso e ajudando a efectuar as reparações que se imponham.
1989
Acordo Vermillion
Ética arqueológica e tratamento devido aos mortos
Defende que a ganância não se deve sobrepor à contextualização: os arqueólogos sabem bem como o real valor das peças só se consegue apreender nos contextos culturais e civilizacionais originais. Estipula ainda que o respeito pelos restos mortais é devido a todos, independentemente da sua origem, raça, religião, nacionalidade, costumes e tradição.
1995
Convenção
Sobre objectos culturais roubados ou ilegalmente exportados
Estabelece o princípio de que o proprietário actual de um objecto cultural que tenha sido roubado deve restituí-lo, independentemente da sua boa fé no momento da compra.
1999
Segundo protocolo à Convenção de Haia de 1954
Para a protecção da propriedade cultural em caso de conflito armado
As regras regendo a protecção da propriedade cultural em caso de conflito armado devem reflectir os desenvolvimentos na lei e na política internacional. Ora desde este Segundo Protocolo que não há qualquer actualização destas regras, face a um mundo em mudança rápida e profunda.
Feito um pequeno resumo das convenções internacionais mais importantes relativas ao património, falámos precisamente do que mudou com a passagem do milénio. Com a queda do muro de Berlim gerou-se uma dinâmica de colapso sistémico do império soviético; os Estados Unidos ficavam assim vencedores da Guerra Fria, assumindo-se como única potência mundial.
Nesse mesmo ano, o Iraque invadiu o Kuwait; a comunidade internacional condenou a agressão numa atitude firme. Depois do sucesso da operação Tempestade no Deserto, quando alguns generais americanos sugeriram a destruição do exército iraquiano em retirada, o bom-senso prevaleceu na Administração Norte-Americana: as suas tropas pararam na fronteira do Iraque. O objectivo não era a mudança de regime no Iraque mas a reposição da Ordem Internacional. O entendimento era de que a derrota do ditador provocaria uma luta fratricida pelo poder, senão mesmo uma guerra civil e a fragmentação do Iraque, sendo portanto contrária à ordem mundial e à estabilidade da zona.
A partir desta atitude, revelando comedimento e equilíbrio, a tendência parece ter sido para os Estados Unidos assumirem um papel cada vez mais prepotente e arrogante. Já sem rival à altura, as suas decisões deixaram de ser negociadas, passando a ser cada vez mais impostas, recorrendo para isso ao seu poder financeiro, diplomático e militar. Esta situação criou uma animosidade e uma aversão crescentes, junto de identidades que se julgavam severamente humilhadas, como a muçulmana em particular.
A 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos, que nunca tinham sido atingidos no seu território, sofreram um devastador atentado terrorista conduzido por uma pequena célula, o qual superou, na escala do «orgulho» ferido americano, o de Pearl Harbor, sessenta anos antes. Este facto condicionou fortemente esta última década, com uma forte paranóia securitária a tomar conta não só dos aeroportos, mas também das relações internacionais, com a «invenção» pelos Estados Unidos de sucessivos inimigos, continuando assim a alimentar os ciclos do ódio, da vingança e do medo, sob a bandeira genérica de «Guerra ao Terror».
Mas voltando ao património: em 2003, a Tempestade no Deserto II foi, tal como a primeira, um sucesso militar. Rapidamente as forças americanas ocuparam Bagdad, a capital do Iraque; o património pouco sofreu durante essa fase. O saque do Iraque começou depois. Arqueólogos, funcionários e universitários ficaram escandalizados com a falta de resposta americana aos seus apelos para proteger os tesouros do Museu de Bagdad: foi roubado um enorme espólio, incluindo peças com mais de 6 000 anos, «nas barbas» das forças anglo-americanas; muitas das peças roubadas nunca mais serão encontradas.
http://www.baghdadmuseum.org/
É impossível descrever a amargura de muitas pessoas de Bagdad, que choravam de raiva, perante os expositores quebrados e vazios… A UNESCO tinha fornecido às tropas americanas informação e mapas sobre os sítios mais vulneráveis, antes e durante a guerra. Os assaltantes pareciam procurar peças específicas valendo milhões de dólares no mercado negro. Toda a operação foi conduzida de forma extremamente organizada.
Na nossa opinião, o «direito internacional» do património deveria evoluir, conforme prevê o Segundo Protocolo de 1999, passando a prever a responsabilização de potências que provoquem o colapso (ou para isso contribuam) da ordem pré-estabelecida localmente, alargando o âmbito do estipulado para o ocupante, na Convenção de 1954. Se nos questionarmos, chegaremos rapidamente à conclusão que a causa directa para os maiores atentados ao património dos últimos dez anos foi uma intervenção militar americana. Todavia, ao subscreverem a Convenção de 1970, comprometiam-se a suprimir as causas... A hipocrisia parece ter-se tornado senhora do palco internacional.
Recapitulámos as causas da presente situação. Começámos por nos perguntar: porquê a Líbia? Dito de uma forma muito simples:
Kadafi tinha tido uma ideia, criar um dinar-ouro, que todos os países produtores deveriam exigir em troca de petróleo. O petróleo seria cotado em ouro e não em dólares! http://www.youtube.com/watch?v=w81x7WfGilI&feature=related
Os nobres motivos anunciados tinham muito pouco a ver com a agenda suja da NATO. Recorreram à mentira mediática, recorrendo à manipulação da opinião pública mundial, que fizeram refém de uma série de mentiras, como aquela que invocaram na ONU para evitar o veto da Rússia e da China para a chamada NO FLY ZONE: inventaram então que Kadafi estaria a utilizar a sua aviação para atacar «indiscriminadamente» a sua população. Ora os russos analisaram minuciosamente os registos do tráfego aéreo na zona nos dias invocados e não se registara qualquer voo!
Rapidamente a zona de exclusão aérea se transformou em apoio aéreo, consistindo na destruição sistemática de um país, incluindo infraestruturas de comunicações e de abastecimento de energia e de água; para não falar de um apoio traduzido em todo o género de logística a favor dos «rebeldes», desde simples mantimentos até armas e munições. Vejam o que foi feito da resolução da ONU, prostituída até ao inimaginável.Obama, apoiado por uma já insubstituível e hilariante 1a dama (ex, mas não interessa), violou grave e flagrantemente a Constituição americana, ao atacar um país sem autorização do Congresso, baseado em desculpas esfarrapadas. Vejam quando o congressista Ron Paul põe o dedo na ferida:
Essa hipocrisia torna-se mais evidente sob pressão interna: o movimento de ocupação de Wall Street parece engrossar todos os dias...
http://www.youtube.com/watch?v=bULyA_yOTW4
Mas voltando ao Património: neste momento, é a situação na Líbia que preocupa a UNESCO. Sem autoridade legal, o país encontra-se nas mãos de bandos armados, muitas vezes guerreando-se pelo poder e pelo saque. Com a situação no terreno muito confusa, o papel das instituições internacionais tem sido duro, com a Cruz Vermelha, tal como outras organizações humanitárias, impedida pelos «rebeldes» de aceder às zonas adversárias, onde está em curso uma tragédia humanitária sem precedentes, com claros indícios de Crimes de Guerra denunciados pela Amnistia Internacional.
Uma representante da UNESCO chegou há dias ao sítio de Leptis Magna, Património da Humanidade considerado o mais imponente da Antiguidade, onde nasceu o imperador romano Septimius Severus. Situa-se a norte de Bani Walid, onde continuam a decorrer violentos combates, eternizando-se uma situação de insegurança. A população local deu o exemplo, organizando milícias para defesa do património. A presidente da UNESCO deu, há menos de uma semana, uma conferência de imprensa na qual afirmou que muito se tem feito, com as convenções em vigor, no sentido de dissuadir o tráfico de património cultural, dando como exemplo o estabelecimento de acordos contra a receptação com as grandes casas de leilões como a Christie’s e a Sotheby’s. Será suficiente?Mas voltando ao Património: neste momento, é a situação na Líbia que preocupa a UNESCO. Sem autoridade legal, o país encontra-se nas mãos de bandos armados, muitas vezes guerreando-se pelo poder e pelo saque. Com a situação no terreno muito confusa, o papel das instituições internacionais tem sido duro, com a Cruz Vermelha, tal como outras organizações humanitárias, impedida pelos «rebeldes» de aceder às zonas adversárias, onde está em curso uma tragédia humanitária sem precedentes, com claros indícios de Crimes de Guerra denunciados pela Amnistia Internacional.
Tal como no Iraque, tudo foi feito para sujeitar o «ditador» a uma morte «humilhante». Em ambos os casos, extrema opção, demonstraram uma dignidade inabalável. Então a liberdade que apregoam é isto? De dar que pensar… Segundo noticiou a Agência France Press, na passada segunda-feira, um grupo de entre 200 a 300 homens armados tinham entrado no Domingo, dia 9 de Outubro à noite, na Mesquita de Al-Masri, profanando o túmulo de dois Ímanes, espalhando e destruindo os seus ossos. Este é já o terceiro incidente em apenas uma semana, com o saque a dois cemitérios, envolvendo martelos pneumáticos e outro equipamento pesado.
Os verdadeiros problemas da Líbia acabaram de começar. Triste sorte. Que esperar da anarquia que tomou conta do país quanto à defesa do património? Se não demonstram o mais elementar respeito pela vida humana, fuzilando todos os civis do sexo masculino dos 7 aos 77! Aliás, nem pelos vivos nem pelos mortos. Tudo isto graças ao apoio de líderes criminosos como Obama e Sarkozy, uma barraca absoluta e o sarcófago da Líbia.
Absolutamente repugnante.
E pergunto: devemos assistir passivamente à imposição de uma Nova Ordem Mundial baseada na agressão, no medo e num estado de guerra permanente?
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