Manuel Martinho Lopes em 2009
É uma figura de e em Santarém. Figura repleta de alacridade,
contraponto das figuronas cinzentas, nos antípodas dos figurões
interesseiros, manhosos e melífluos. Há mais de quarenta anos, depois de
chegar à cidade, ouvi no recanto do café Portugal ressoarem formidáveis
e escalonadas entonações; eram as gargalhadas do Manel. Abria os braços
qual asas de águia em voo picado soltando às garfadas o riso de quem
acabava de ganhar demorada partida de xadrez. Recordo o adversário,
senhor de rosto severo, de olhar fundo, protegido por óculos de massa.
Trabalhava no Governo Civil, jogava em posição Alekine, o Manel qual
Capablanca fumava, bebia não mojitos, brandy, rasgava sorrisos, no fim a
famosa gargalhada. Tropeçámos um no outro a propósito de livros,
leituras, poetas, num repimpado desfile de nomes, por três vezes citei o
Doutor Angélico. De chofre crismou-me São Tomás de Aquino para gáudio
do ladino Cadima. Fui seu vizinho durante uns meses, fizemos séria
amizade, soltei-me da capital do gótico, quando nos vemos repartimos
motetos enquanto descreve pormenores pícaros do enfado citadino. Há
largos meses encontrei-o no nosso benfeitor Gonçalves Izabelinha, não
gostei do visto e observado a corroborar fugaz visão dando a ideia de
estar doente. Na semana passada no campo do herói maneta voltámos a cair
nos braços de um e do outro, vestia camisa azul bem passada, queixos
escanhoados a preceito, olhar levantado, descontada a idade, seria o
Manel da época de glabro oficial de cavalaria inventor de especial forma
de bater o tacão dos militares do pelotão por ele comandado como um seu
camarada me narrou. Falámos de tudo falando de nada, chistes, remoques
disparados a esmo, uns aprazíveis minutos de felicidade. Ele deixou
passar boas coisas ao alcança do braço dirão os especialistas de
bagatelas, podia ter logrado mais vantagens dada a sua aptidão para as
contas referirão outros, uma pena ser desprendido atalharão os frades do
cinismo envernizado. Talvez tenham um nico de razão, apenas conjecturo a
quão longe poderia ter chegado na condição de xadrezista. Ele é a sua
circunstância como disse o outro. Nunca irá receber uma medalha de
mérito a realçar a sua acção em prol do ensino do xadrez a inúmeros
jovens, os zelotas não o permitiriam, mas que a merece, lá isso merece.
Admiro-o tal como é, esbracejante a lembrar pássaro louco enamorado, no
caso dele montado num cavalo a derrubar torres e prostrar bispos, dando
xeque-mate aos mais pintados.
Armando Fernandes
in Jornal O Ribatejo
Link directo aqui, para quem quiser comentar online: http://www.oribatejo.pt/2014/10/10/espuma-dos-dias-manuel-martinho/
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1 comentário:
Belo, belissimo texto este.
Um Grande jogador de xadrez, um Hommem do xadrez, tão Homem e diferente de uns quantos anões e da merda emplumada que hoje é apanágio de muito "corrécio" que milita no xadrez , nas suas diversas esferas.
A integridade não é propriamente algo que se compra e se venda, ou que seja dado de bandeja.
O Martinho foi um homem integro do xadrez, tão diferente do lambebotismo ou lambecuzismo que parece estar a brotar num determinado poço do xadrez nacional. Jovens cortesãos...ou menos jovens...digo!
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