Há dez anos, em Estocolmo, precisamente no dia 10 de Dezembro de 1998, quando em todo mundo se estavam celebrando os cinquenta anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, chamei a atenção dos mil e duzentos convidados que participavam no banquete de encerramento dos actos solenes relacionados com a atribuição do Prémio Nobel, para a situação em que os ditos direitos se encontravam, ignorados na prática pelos governos, desprezados grosseiramente pelos poderes económicos e financeiros soberanos, perante a apatia geral de uma sociedade, que, no fundo da sua consciência, talvez já não acredite, se alguma vez teve essa ilusão, no cumprimento ao menos satisfatório dos preceitos consignados naquele documento.
A situação não melhorou ao longo destes anos, podemos até dizer que se agravou seriamente, ao ponto de já nos parecerem despropositadas, em todos os sentidos, quaisquer manifestações públicas ao redor da efeméride. O mundo não daria pela falta se a Declaração fosse dada amanhã como nula e inexistente. O seu desaparecimento físico viria apenas confirmar a realidade objectiva da ineficácia de um texto cheio de boas intenções, reduzidas hoje a zero pela inoperância das entidades políticas responsáveis, a começar pelos governos e a terminar nas próprias Nações Unidas.
E, contudo, a nós, cidadãos comuns, não nos resta outra atitude que defender por todos os meios a Declaração Universal dos Direitos Humanos e exigir em todos os foros o seu urgente cumprimento, sob pena, persistindo a passividade colectiva, de vir a perder-se a própria noção de direito em matéria tão importante como a plena realização da pessoa. É necessário que se torne em evidência e em instrumento de acção política este simples axioma: “É certo que sem a democracia não poderia haver direitos humanos, mas também não é menos certo que sem direitos humanos não poderá haver democracia”. Sim, leram bem, sem direitos humanos não haverá democracia digna desse nome. Portanto, lutar pelos direitos humanos é, em última análise, lutar pela democracia. »
José Saramago
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