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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Fischer: Hitler, Estaline, Mao ou Martin Luther King e Nelson Mandela?

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Parece-me evidente que a vida indomável que o génio do xadrez levou teve muito a ver com a época: Hitler, Estaline, Mao ou Martin Luther King e Nelson Mandela

O meu baú de recordações tem mais anti-heróis que propriamente heróis. Um deles morreu há pouco. Chamava-se Bobby Fischer e foi o mais celebrado campeão mundial de xadrez quando, para nós, europeus, o mundo girava em torno de dois blocos geopolíticos: o Ocidente capitalista e o Leste comunista.
Fischer entrou no meu baú quando em 1972 enfrentou Boris Spassky, o campeão do regime soviético. Repentinamente tornou-se-me simpático não por ser o ícone da supremacia capitalista mas por dar sinais de um desalinhamento apenas ao alcance dos génios. Na verdade, o que me atraiu neste personagem de filme foi ter obrigado Henry Kissinger a telefonar-lhe para lhe recordar a sua obrigação patriótica de jogar e ganhar. Claro que Kissinger não era um estadista de proveta, conforme a história das relações com a China e a estratégia dos pequenos passos haveriam de comprovar. O telefonema do secretário de Estado do presidente Richard Nixon deve ter tido um tal efeito no ego de Fischer que ele não se limitou a jogar e ganhar como também fez desse embate do século uma batalha da guerra imperialista: "É o mundo livre contra os mentirosos, os batoteiros e os hipócritas."
Este radicalismo excessivo que Fischer colocou ao serviço dos interesses propagandísticos dos EUA haveria de ser o mesmo que em 2001 o levou a declarar a uma rádio filipina que o 11 de Setembro fora uma "notícia maravilhosa" e que tinha chegado a hora de acabar de vez com os EUA. Claro que no entretanto desta história há que dizer que o ex-campeão mundial fora proscrito, em 2005, quando, ao arrepio das sanções internacionais contra o regime sérvio, decidiu ir jogar precisamente em Belgrado uma última partida contra Spassky, que lhe assegurasse mais uns dinheiritos para a reforma. E que, na sequência desse desafio à autoridade, só se salvou de uma extradição por evasão fiscal e branqueamento de capitais - os dois truques que aprendera quando era o ícone do mundo capitalista - porque na exótica Islândia funcionam, ao que parece muito bem, os direitos de cidadania. Não foram esses amigos do xadrez que se juntaram em torno de um seu ex-guarda-costas, Saemi Palsson, e Fischer não teria morrido tranquilo, apesar de cada vez mais doido e irascível, e sido enterrado num cemitério luterano, por um padre católico francês e a sua até então desconhecida esposa budista japonesa.
A existência de Fischer foi uma espiral neurótica como a de tantos outros homens geniais cuja inteligência excepcional acabou por se focar excessivamente num aspecto da vida. E também ela, mesmo tratado-se de xadrez, vem comprovar que muito do que nos acontece em graúdos depende do que fomos em miúdos.
Afinal, a extraordinária vida de Bobby Fischer, que sempre teve comportamentos de "prima donna" e até de ditadorzinho, também se pode explicar pelo facto de ter arcado aos 14 anos com a fama de ser campeão de xadrez dos EUA, ele que desde os dois anos tinha crescido sem pai e era um dos miúdos mais tímidos de Brooklyn. E ainda se pode explicar por ter crescido numa fase em que grande parte do planeta admirou os génios do mal como Hitler, Estaline, Mao e poucos, muito poucos, génios do bem como Martin Luther King ou Nelson Mandela.
Mas quem sabe se na sua isolada timidez o génio do xadrez capitalista também não admirava a beleza integral de Marylin Monroe ou simplesmente os seios de Brigitte Bardot?

por Manuel Tavares
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